A apreensão de mercadorias pelo Fisco.
- famgondimadv
- 9 de abr. de 2021
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A apreensão de mercadorias pelo Fisco como meio de compelir o contribuinte ao pagamento de impostos é draconiana e inconstitucional.
Decerto que a apreensão de mercadorias pelo Fisco como meio de compelir o pagamento de tributos é uma realidade para aquelas empresas que circulam mercadorias em nosso país. Nesse sentido, embora absurdo, muitas vezes o contribuinte tem notícia de que em determinado posto fiscal a autoridade fiscalizadora apreendeu suas mercadorias com base em alegações, majoritariamente verbais, de que as mercadorias foram apreendidas por motivo de pendências junto a receita federal e que para que haja a liberação dessas mercadorias apreendidas, deve o contribuinte efetuar o pagamento de alguma outra ou todas as suas pendências, até mesmo aquelas derivadas de fatos geradores distintos do ICMS.
Diante de tal hipótese é imperioso destacar que é direito constitucionalmente garantido o de livre exercício da atividade empresarial, de modo que no momento em que o Fisco apreende as mercadorias com o intuito de compelir o contribuinte a determinado pagamento de tributo este viola essa garantia. Logo, o ato coator do Fisco vulnera a Carta da República ao cobrar indiretamente, à margem do poder judiciário e do devido processo legal, ampla defesa e contraditório, quando de maneira coercitiva, compele o contribuinte a recolher tributos, impedindo-o de exercer sua atividade econômica.
Bem, é fato que a apreensão de mercadorias em trânsito pelas autoridades fiscais acontece e deve acontecer, porém, estas devem ocorrer pelo prazo necessário somente para que haja a lavratura de auto de infração tendente ao lançamento do tributo ou aplicação de multa, e somente se o contribuinte deixar de cumprir com alguma de suas obrigações tributárias.
Em todos os demais casos, tem-se como ilegal a retenção de mercadoria, que funciona como sanção política com o único propósito de compelir o contribuinte ao cumprimento de obrigação tributária. Tal incidente é tão corriqueiro e desleal aos princípios basilares que regem nosso ordenamento jurídico que o Supremo Tribunal Federal sentiu a necessidade de sumular entendimento que veda o indicado comportamento do Fisco, positivando a Súmula 323, que prevê que “é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.”.
Ora, em virtude do consolidado entendimento supracitado, é correto dizer que todas as mais altas cortes do país decidem nesse sentido, assim a doutrina de Roque Antonio Carraza[1] corrobora em favor da tese quando aduz a necessidade de imediata liberação da mercadoria após a lavratura de auto de infração, e mais, quando afirma que a apreensão “deve subsistir somente enquanto estiver sendo realizada a coleta dos elementos necessários à caracterização de eventual ilícito tributário.”.
Nessa mesma direção aponta o projeto do Código de Defesa do Contribuinte que reconhece o entendimento sumulado e dispõe em seu art. 30, I, a vedação da retenção, além do tempo estritamente necessário à prática de atos assecuratórios de seus interesses, documentos, livros e mercadorias, apreendidos dos contribuintes nos casos previstos em lei.
Portanto, é abusivo e ilegal o ato coator de condicionar a liberação de mercadorias e do livre exercício empresarial do contribuinte mediante a quitação de débitos perante a Receita Federal, por vulnerar o inciso LIV do art. 5º e o parágrafo único do art. 170 da Carta da República. Ora, é fundamental para qualquer negócio que circule mercadorias a livre circulação destas, ainda mais quando se adimpliu com a arrecadação de ICMS imposta, não existindo razão plausível para que as mercadorias possam remanescer retidas por motivo de débitos diversos e aleatórios em aberto junto a qualquer órgão.
Isto posto, é draconiano tal ato na medida que a autoridade fiscalizadora retira do contribuinte a possibilidade de discutir ou contestar os supostos débitos que ilegalmente ensejam para a apreensão das mercadorias e o impede de exercer livremente a sua atividade profissional. Como já dito anteriormente, trata-se de uma tentativa de sanção política, pois até mesmo induz o contribuinte a reconhecer débitos que sequer reconhece, com o objetivo de liberar suas mercadorias.
Outrossim, é de grande importância que o contribuinte tenha ciência dos seus direitos para que evite situações que impactem diretamente na sua atividade empresarial. Logo, diante de uma situação como a que versa o caso em comento, deve o empresário realizar o pagamento do DAE referente ao recolhimento de ICMS se não já o tiver recolhido em outro momento, o que dependerá de casa a caso, e ingressar com um Mandado de Segurança com o intuito de garantir seu direito líquido e certo de circular suas mercadorias e exercer a sua atividade empresarial.
Nesse cenário, com o objetivo de agir de modo preventivo, é possível impetrar mandado de segurança preventivo, chamado comumente de “mandado de segurança guarda-chuva”?
Pois bem, diante do exposto, é certo que muitas vezes a recorrente necessidade de impetrar Mandado de Segurança como remédio jurídico para “destrancar” mercadorias onera o contribuinte que não possui assistência total e mensal de escritórios de advocacia. Sendo assim, é comum que o próprio contribuinte, após vivenciar a apreensão ilegal de suas mercadorias pelo FISCO questione o advogado sobre alguma solução definitiva, de modo que surge o interesse em uma tentativa de Mandado de Segurança “Guarda-Chuva”.
O termo “guarda-chuva” vem justamente devido a esse caráter preventivo que se busca ao impetrar mandado de segurança antes mesmo de que ocorra o ato ilegal, funcionando, por analogia, como um guarda-chuva mediante a possibilidade do enfrentamento de chuva. Seria tal remédio possível a suprir tal interesse? O Mandado de Segurança Preventivo é sim possível, desde que já existente situação de fato onde, ainda que não tenha sido praticado, haja real possibilidade e receio de que venha a ser praticado ato ilegal. Por isso, não seria o Mandado de Segurança Preventivo ideal nas situações de apreensão de mercadorias nos postos fiscais já que matéria corriqueira e já pacificada como ilegal nas mais altas cortes?
Pois bem, de fato parece ser uma boa alternativa para o problema, contudo são alguns os percalços que devem ser considerados, tanto pelo contribuinte, mas principalmente pelo advogado. De início, deve se levar em consideração o trâmite prático da medida, que consistiria em: 1º - impetrar o mandado de segurança com caráter preventivo, requerendo a impossibilidade do Auditor confiscar qualquer mercadoria devido a qualquer pendência junto a (órgão responsável); 2º - O Mandado de Segurança teria que ser deferido, o que pode ou não ocorrer, justamente por entender, alguns magistrados, que o ato precisa acontecer para que seja deferida a liberação das mercadorias; e, por fim, 3º - Ainda que seja deferido o mandado de segurança preventivo, este não tem como prever em qual posto fiscal a apreensão irá ocorrer, logo não há como intimar a unidade coatora do ato especificamente, muito menos evidenciar quais notas irão ser abrangidas pelo mandammus;
Portanto, diante do contexto articulado em supra, ainda que o transportador (fiel depositário), no momento que ocorra a apreensão das mercadorias, apresente a decisão judicial que ordena a impossibilidade de apreensão como meio para compelir o contribuinte a quitar créditos tributários pendentes, o Auditor não vê na decisão: a) nota específica do produto que deve ser librado; b) intimação específica direcionada. Ou seja, devido ao poder discricionário do Auditor, este sempre terá o poder de reter a mercadoria se assim entender que deve, e a partir do momento que este não se vê intimado diretamente e especificamente, sem sequer constar em decisão judicial as notas e mercadorias que devem ser liberadas, entende não estar vinculado a acatar tal decisão, o que, de fato, processualmente, faz sentido.
Com isso, embora haja essa “possibilidade” de mandado de segurança “guarda-chuva” com um caráter preventivo, sua eficácia prática é basicamente inexistente, o que acaba por perpetuar a rotina de apreensão ilegal de mercadorias pelo FISCO por meio dos postos fiscais, que geram um jogo infinito de apreensão e posterior liberação mediante mandado de segurança, prejudicando demasiadamente a empresa que tem a circulação de mercadorias como fundamental para desempenhar sua atividade fim.
[1] CARRAZA, Antonio, 2009, p. 601.
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